Paixão superestimada

Isabella Luiza
2 min readNov 21, 2022

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David — Michelangelo

Um dia sua psicóloga disse que a paixão era algo superestimado pelo anseio juvenil. Que quando crescemos a paixão pode ter outra conotação e por essa pré-ideia que temos dela, nos privamos de nos entregar às relações. Borboletas no estômago? Não existe depois dos 30, balela.

Ele saiu nervoso daquela sessão e nada o convenceria de namorar uma pessoa se ele não tivesse a absoluta certeza de que está completamente apaixonado por ela. Assim. Bem nos extremos. Ele também não se conformava como todas as mulheres que saiu nos últimos dois anos estavam prontas para um compromisso. Ele não? A gente atrai o amor que pensamos merecer? Hum…. Mas as borboletas no estômago…. Bem, como eu disse: balela.

Sua psicóloga também o indicou o livro “O cavaleiro preso na armadura”, de Robert Fischer. Um cavaleiro que se fixou pela armadura a ponto de sua família esquecer seu rosto. E o processo descrito no livro era de tirar as camadas, parte por parte dessa armadura, até ele voltar a ser quem era. Bem “torna-te quem tu és”. O que mostra um diagnóstico de indisponibilidade dele, na minha opinião.

Perguntei se ele acreditava nisso. Ele consentiu. Sim, tinha um medo forte de se entregar ao mesmo tempo que amou e admirou muito as mulheres que passaram pela sua vida. Acontece que aquela sensação de ternura, de ansiedade pelo próximo encontro, de pensamentos rotineiros de saudade, não vinham. E isso era paixão para ele, um preview de que se tornaria amor. Buscava a dose perfeita com todas as emoções em harmonia. Nem demais nem de menos. No ponto, na medida. E, bem, eu concordo que ligações emocionais e criação de laços são poucas na vida e nos tempos modernos de hoje, estão um tanto quanto limitadas. Amor líquido? Alô Zygmunt.

De toda forma, ele não deixava de acreditar que alguém despertaria isso nele, de novo, em algum momento. E ele jogaria para o alto todo e qualquer medo de entrega. Natural! Seria natural. Mas até no natural precisa de ação, eu disse. Nada acontece sem um primeiro passo. Sem a vontade de estar junto, sem um olhar no amanhã. Vamos lá, seu signo é pragmático! Encare as possibilidades! Ele gargalhava.

Essa era uma noite de eclipse e eu estava explicando para ele a simbologia do fenômeno. Ele não era cético nem simpatizante de astronomia, mas ouvia com afeição e não deixamos de observar a lua da claraboia acima da cama. Quando nos despedimos na manhã seguinte, antes de ele ir embora, já quase descendo as escadas, gritei: “ei, mas vem cá, você sabe né? Que uma hora ou outra você vai se permitir se apaixonar.” Ele sorriu e afirmou com a cabeça. Aos olhos de um bom romântico, ali, ele admitiu paixão.

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