Mulher dúbia

Isabella Luiza
3 min readFeb 25, 2021

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Original Women Painting by Aziza Sarambetova.

Suicídio não fazia parte do seu repertório, mas uma dilaceração carnal talvez fizesse naquele momento. Essa mulher a qual escrevo, não era o tipo de pessoa insatisfeita com a vida, decepcionada por cada fragmento de suas ações ou do próximo, até gostava de quando as coisas davam errado pois sofrer a fazia sentir seu corpo vivo. O que realmente “pegava” eram esses pequenos minutos de ódio e euforia que existiam dentro da carne e passavam pro físico. Uma sensação de esperar muito dessa vida que ultimamente não lhe oferecia nada além de um amanhã nublado. Faz dias que não abre um sol. E esse cheiro de coisa podre no ar, de traição, de desespero e arrependimento. Arrependimento por ela mesma, por confiar em quem não deveria, esculpir com sua memória falsa um ser que não existe, não existiu e nem existirá. Ela sabe que tudo que foi um dia, caso venha a se repetir não terá a mesma originalidade. O passado não é nada mais nada menos do que uma lembrança editada e seletiva com gosto de regresso. E eu já disse que se ela continuar pensando, lendo e falando sobre o tempo e sua invalidez, acabará como o Philippe Pinel.

Os dias vazios como o de hoje (e por vazio quero dizer lotados de tarefas, nenhuma concluída por atrofiamento), servem para escancarar o quão desgastante é ser confiante. Tão mais fácil seria se ela não acreditasse em nada. Incrédula. Ateia. Descrente e mesquinha. Quem aceita a derrota se recupera mais cedo, quem aposta nas 3 tentativas vive na derrota. Eu até liguei para ela na segunda-feira passada e disse: “Você precisa aceitar a vida medíocre que tens hoje, meu bem. Coloca mais um tiquinho de fé em ti, não em mim, não nele, não no universo. Coloca em você, eu tenho absoluta certeza que você vai fazer algo lindo nessa vida ainda.”
Ela chorou, depois gargalhou, disse que mais cedo xingou uma colega de trabalho e aquilo havia aliviado um tanto o peso do desgosto que carrega consigo e não tinha porquê eu me preocupar com ela. Mas agradeceu a ligação.

Eu a conheci quando ela tinha 12 anos e pintava os olhos com lápis preto. Vestia vestidos longos e desenhava abstratos nas unhas com uns pincéis finos, finos. Já era inquieta, estressada e melancólica. Depois do primeiro namorado só potencializou, depois da primeira namorada triplicou e agora já não consigo mais identificar. Sei que rezo por ela todas as noites e acendo uma vela azul uma vez no mês. Pois eu gosto mesmo é de gente quente. Gente que sabe o que quer, que sofre, xinga, fala e não esconde. Alguns têm medo e dizem não querer viver à sombra de tanto fervor. Eu já não vejo graça na vida se não estiver acompanhada por tanta adrenalina. A surpresa da próxima desavença, os argumentos que saem queimando da boca e as pazes feitas: isso é uma vida emocionante pra mim.
E pra ela.

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